Padre Sebastião Luiz de Souza*
Na revelação bíblica, a missão está intimamente relacionada à história da salvação, ao desejo de Deus de "que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade." (ITm 2,4) Por isso a missão está ligada ao envio: "Ide, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto vos mandei." (Mt 28,19-20)
Esse envio justifica e motiva a missão da comunidade cristã.
O motivo primordial da missão é e sempre será o mandato missionário que Jesus Cristo deu aos apóstolos e aos discípulos no termo de sua existência terrena. É um ato de obediência fundamental que a Igreja deve prestar, até o fim da história, à vontade de seu autor. Por isso a Igreja procurou sempre tomar consciência de sua natureza evangelizadora.
A evangelização exprime a identidade, a vocação própria da Igreja, sua missão essencial: "Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, sua mais profunda identidade." (Paulo 6° "Evangelii nuntiandi", 14)
Eis por que a evangelização é o núcleo central da missão da Igreja. Sem esse trabalho, a Igreja não passaria de um "clube" qualquer. Poderia ser um excelente "clube de amigos", mas não a Igreja de Jesus.
Quando falamos da atividade missionária da comunidade eclesial, precisamos passar da missão à missionariedade, do objeto (o que fazer) ao sujeito (quem vai fazer) do mandato missionário.
Não é suficiente perceber a necessidade da missão, mas é fundamental tomar consciência de que toda a Igreja, e nela cada batizado ou batizada, é o sujeito da missão. Fica, pois, muito claro que toda a Igreja é por sua natureza missionária.
Os cristãos não podem permanecer passivos, reduzindo, muitas vezes, sua pertença eclesial a momentos rituais. É preciso colocar toda a Igreja em "estado permanente de missão".
A Igreja é toda missionária em seus membros que agem de diversos modos, de acordo com a multiplicidade e a variedade dos carismas e dons. É em cada um de seus membros que a comunidade cristã coloca-se a serviço da evangelização e é enviada para pregar o Evangelho a toda criatura.
A grande missão da Igreja concretiza-se na preocupação com a pessoa humana em sua totalidade. Não é preocupação com uma salvação abstraía, mas compromisso de fé com o ser humano, com seu crescimento no seguimento de Jesus e com sua plena realização em todos os sentidos, porque entre evangelização e promoção humana — como sabiamente afirmou o Papa Paulo 6° — existem de fato laços profundos.
Em outras palavras, a Igreja deve permanecer sempre a serviço da pessoa humana, colaborando concretamente para a libertação da humanidade. O compromisso com a justiça é parte indispensável do processo de evangelização.
A defesa dos direitos humanos, da dignidade da pessoa, não é oportunismo ou modismo, mas sinal de fidelidade e de autenticidade da missão evangélica da Igreja.
É preciso, pois, proclamar corajosamente a necessidade de libertação da pessoa humana, a fim de que se possa superar a situação de injustiça que exclui cada vez mais pessoas do acesso aos bens indispensáveis a uma vida digna. Esse compromisso com a libertação do ser humano concretiza-se na opção pêlos pobres.
A Igreja missionária a serviço do Evangelho faz dela uma de suas características fundamentais. Optar pelo pobre "é condição necessária e irrenunciável do caráter evangélico da ação da Igreja." (CNBB Diretrizes Gerais da ação Evangelizadora, 194) É claro que assumir, sem meios termos, a causa dos excluídos e excluídas exige uma verdadeira reviravolta na própria vida. É preciso entrar naquele processo de "metânoia" (mudança de mentalidade) do qual fala o Evangelho.
Daí "a necessidade de uma conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pêlos pobres, no intuito de sua integral libertação." (Documento de Puebla, 1134)
Em sua missão, a Igreja, além do anúncio da dignidade da pessoa humana, deve denunciar todas as formas de opressão. Uma Igreja verdadeiramente missionária é aquela que anuncia a cada ser humano que ele é filho de Deus em Cristo, aquela que se compromete com a libertação de toda a humanidade.
Nesse campo da libertação integral das pessoas, segundo o Documento de Puebla, n° 562, a missão da Igreja "é imensa e mais do que nunca necessária. Para cumpri-la, requer-se a ação da Igreja toda — pastores, ministros consagrados, religiosos, leigos, cada qual em sua missão própria.
Uns e outros, unidos a Cristo na oração e na abnegação, comprometer-se-ão, sem ódios nem violência, até as últimas conseqüências, na conquista de uma sociedade mais justa, livre e pacífica", sonho de nosso povo e sinal autêntico de verdadeira evangelização.
*Padre Sebastião Luiz de Souza é reitor do seminário Propedêutico e promotor vocacional da Diocese de Piracicaba