Papa visitou duas vezes lugares
ligados a São Celestino V, papa que também renunciou
A renúncia de Bento XVI ao papado
foi comparada na Itália a “um raio em pleno céu sereno”.
“O papa continuará na plenitude
das suas funções até o dia 28 de janeiro, às 20 horas [de Roma]. Desse momento
em diante, teremos sede vacante”, disse o porta-voz vaticano, pe. Federico
Lombardi, que ressalta que a renúncia foi feita “de modo válido, previsto pelo
direito canônico”, e “é coerente com o que o papa tinha dito no
livro-entrevista ‘Luz do Mundo’ sobre a hipótese de renunciar”.
Em 28 de abril de 2009, o papa
visitou a cidade italiana de L’Aquila para orar pelas vítimas do terremoto que
tinha recém-atingido a Itália central. Na basílica de Nossa Senhora de
Collemaggio, onde a relíquia do papa São Celestino V (1209-1296) tinha ficado a
salvo dos tremores e da destruição, o papa depositou o pálio que lhe fora
entregue no dia de sua entronização, entre salvas de palmas.
Aquele gesto simbólico parece
ganhar uma força extraordinária neste dia 11 de fevereiro, quando Bento XVI
anunciou que renuncia ao pontificado: Celestino V também se vira obrigado a
renunciar, em 13 de dezembro de 1294, cerca de cinco meses depois da sua
eleição à sé de Pedro.
Bento XVI fez alusão a este gesto
um ano depois, quando viajou novamente à região de Sulmona por ocasião do
“perdão de Celestino V”. Na homilia, ele disse: “Vim a esta basílica em abril
do ano passado, depois do tremor de terra que devastou a região, para venerar o
relicário que contém seus restos mortais e para deixar o pálio que recebi no
dia do início do meu pontificado”.
Eis como o Santo Padre avaliava o
pontificado de Celestino V: “Passaram-se oitocentos anos desde o nascimento de
São Pedro Celestino V, mas ele permanece presente na história em razão dos
célebres acontecimentos da sua época e do seu pontificado e, principalmente, da
sua santidade. A santidade não perde jamais a sua força de atração, jamais cai
no esquecimento, nunca passa de moda. Ao contrário: com o passar do tempo,
resplandece com luminosidade cada vez maior, expressando a tensão eterna do
homem rumo a Deus”.
Bento XVI quis extrair “vários
ensinamentos” da vida do papa santo, “válidos também para a nossa época”. Em
primeiro lugar, devemos enxergar nele um “buscador de Deus”, um “homem desejoso
de encontrar respostas para os grandes questionamentos da nossa existência.
(...) Precisamente no silêncio exterior, mas acima de tudo no interior, ele
conseguiu perceber a voz de Deus, capaz de orientar a sua vida”.
Como segundo ensinamento, a
descoberta de Deus feita pelo futuro papa “não é resultado de um esforço, mas da
graça de Deus mesmo”. Finalmente, o terceiro elemento enfatizado por Bento XVI
é a “fecundidade pastoral” do papa que tinha renunciado havia mais de sete
séculos: “São Pedro Celestino, mesmo levando uma vida de eremita, não se fechou
em si mesmo, mas viveu a paixão de levar a boa notícia do evangelho aos seus
irmãos. E o segredo da sua fecundidade pastoral estava precisamente no fato de
“permanecer” com o Senhor, na oração, como nos foi recordado pela passagem
evangélica de hoje: o primeiro imperativo é sempre o de orar ao Senhor da
messe”.
Bento XVI vê naquele papa um
pontificado que recorda o dele próprio: “Estas foram as características do
pontificado breve e atormentado de Celestino V e são as características da
atividade missionária da Igreja em cada época”.
O gesto em L’Aquila em 2009 e a
meditação em Sulmona em 2010 permitem captar algo do pontificado que Bento XVI
decidiu encerrar no próximo dia 28 de fevereiro.
Há quem possa pensar que Bento
XVI esteja fugindo ao dever, em contraste com o “laborem non recuso” de São
Paulo. Mas ele viveu de perto os últimos anos do pontificado de João Paulo II,
e, mesmo conhecendo a fecundidade do sofrimento, sabe que a Igreja precisa ser
governada.
O humilde servo viu suas forças
diminuírem: reconheceu-o na declaração histórica deste 10 de fevereiro,
divulgada ao mundo nesta manhã: “No mundo de hoje, sujeito a rápidas
transformações e sacudido por questões de grande relevância para a vida da fé,
para governar a barca de São Pedro e anunciar o evangelho é necessário também o
vigor tanto do corpo quanto do espírito, vigor que, nos últimos meses, diminuiu
em mim de tal forma que devo reconhecer a minha incapacidade de exercer bem o
ministério que me foi encomendado”.