Por D. Estêvão
Bettencourt, OSB
Há quem diga que o título
de Católica só foi atribuído à Igreja pelo Concílio de Constantinopla I em 381
por decreto do Imperador Teodósio - alegação esta desmentida pelo fato mesmo de
que já S. Inácio de Antioquia, nos primeiros anos do século II, falava de
Igreja Católica. Quanto ao termo Papa, só foi aplicado ao Bispo de Roma no
século V de maneira enfática; todavia a função de Pedro como chefe do colégio
apostólico já está delineada nos escritos do Novo Testamento; no caso, o que
importa não é o nome, mas o exercício da função.
O seguinte artigo de um
jornal deixou vários leitores confusos. Daí então, vamos as respostas.
A ORIGEM DO VATICANO E
DO PAPA: A Igreja recebeu o nome de "católica" somente no ano 381,
no Concílio "Conctos Populos" dirigido pelo imperador romano
Teodósio. Devido às alterações que fez, deixou de ser apostólica e não sabemos
como pode ser romana e universal ao mesmo tempo. (Hist. Ecles., I pg. 47, Riva
ux). Até o século V não houve "papa" como conhecemos hoje. Esse
tratamento de ternura começou a ser aplicado a todos os bispos a partir do ano
304. (Cônego Salin, Ciência e Religião. Tom. 2 pg. 56).
O texto em foco contém várias imprecisões
(para não dizer vários erros), como se evidenciará nas linhas seguintes.
1. Igreja Católica: desde quando?
A expressão "Igreja
Católica" não tem origem no fim do século IV, mas encontra-se sob a pena
de S. Inácio, Bispo de Antioquia (+107 aproximadamente), que nos primeiros anos
do século II escrevia: "Onde quer que se apresente o Bispo, ali esteja
também a comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus nos assegura a
presença da Igreja Católica" (Aos Esmirnenses 8,2).
A expressão
"católica" parece designar, em primeira instância, a universalidade
da Igreja (ela está em toda parte, e não somente nesta ou naquela comunidade).
Todavia os intérpretes do texto julgam que algo mais está dito aí: S. Inácio
terá tido em vista a Igreja autêntica, verdadeira, perfeita. Desde fins do
século II se torna frequente o sentido de universal, sem, porém, excluir o de
autêntica, isto é, portadora de todos os meios de salvação instituídos por
Cristo. Esta segunda acepção se tornava necessária pelo fato de haver correntes
ou "igrejinhas" heréticas, separadas da Igreja grande, nos primeiros
séculos (como até hoje as há).
O sentido de "autêntico”
atribuído ao adjetivo “católica” encontra-se regularmente nos escritos dos
primeiros séculos. A partir do século III, pode-se dizer que
"católica" significa a verdadeira Igreja, esparsa pelo mundo ou
também alguma comunidade local que esteja em comunhão com a Grande Igreja.
Quanto à origem da palanj vra "católico", é preciso procurá-la no
grego profano. Com efeito; para Aristóteles (+322 a.C.), "kath'holon"
significa "segundo o conjunto, em geral"; o vocábulo é aplicado às
proposições universais. O filósofo estóico Zenon (+262 a.C.) escreveu um
tratado sobre os universais intitulado "katholiká"; são católicos os
princípios universais. Políbio (+128 a.C.) falou da história universal em
comum, dizendo-a "Tès katholikès kal koinès Historias". Para o judeu
Filon de Alexandria (+44 d.C), "katholikós" significa
"geral", em oposição a "particular"; os deuses astrais da
Síria eram ditos "katholikoí". Tal vocábulo é, pela primeira vez
(como dito), aplicado à Igreja por S. Inácio de Antioquia (+107
aproximadamente).
2. Que houve então em 381?
Em 381 realizou-se o
Concílio Geral de Constantinopla, que repetiu a fórmula Igreja Católica,
professando: "Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica".
O Concílio nada inovou; apenas reiterou a fórmula antiga.
Põe-se então a pergunta:
que dizer do mencionado decreto do Imperador Teodósio? Impõe-se notar logo que
o decreto data de 380, e não de 381. Com efeito; sob Teodósio I (379-95), que
reinou no Oriente do Império Romano, registraram-se acontecimentos importantes.
Aos 28/02/380, o Imperador assinou um decreto que tornava oficial a fé católica
"transmitida aos romanos pelo apóstolo Pedro, professada pelo Pontífice
Dâmaso e pelo Bispo de Alexandria, ou seja, o reconhecimento da Santa Trindade
do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Com estas palavras, Teodósio
abraçava, para si e para o Império, o Credo que, proveniente dos Apóstolos, era
professado então pelo Papa Dâmaso (366-84) e pelo Bispo S. Atanásio de
Alexandria, grande defensor da fé ortodoxa na controvérsia contra os arianos.
Assim o Cristianismo, que Constantino I tornara lícito em 313, era feito
religião oficial do Império Romano.
"Não sabemos como a
Igreja pode ser romana e universal". - O título "romana" não implica
nacionalismo nem particularismo. É apenas o título que indica o endereço da
sede primacial da Igreja. Na verdade, a Igreja, atuando neste mundo, precisa de
ter seu endereço ou seu referencial postal, que é o do Bispo de Roma, feito
Chefe visível por Cristo. Por conseguinte a Igreja Católica recebe o título de
"Romana" sem prejuízo para a sua catolicidade ou universalidade. De
modo semelhante, Jesus, Salvador de todos os homens, foi dito
"Nazareno", porque, convivendo com os homens, precisava de um
endereço, que foi a cidade de Nazaré.
3. Apostolicidade
Diz a notícia de jornal: "Devido às alterações que fez, a Igreja deixou de ser apostólica".
Diz a notícia de jornal: "Devido às alterações que fez, a Igreja deixou de ser apostólica".
Em resposta, torna-se
oportuno, antes do mais, examinar o que signifique o atributo
"apostólica" aplicado à Igreja. Já no Novo Testamento se encontra a
noção de que o patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do céu
diretamente, mas, sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus Cristo,
pelos Apóstolos e, finalmente, chega a cada indivíduo no seu respectivo tempo.
Assim, por exemplo, Jo 1, 1-3: "O que era desde o princípio, o que
ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos
apalparam do Verbo da vida... nós vos anunciamos esta Vida eterna, que estava
voltada para o Pai e que vos apareceu". Cf. Jo 17, 7s; 20, 21; Mt 28,
18-20; Rm 10, 13-17; 2Tm 2, 2; Tt 1, 5.
Os primeiros escritores
da Igreja retomaram e estenderam essa série de comunicações ou missões. Assim
lemos em Tertuliano: "Sem dúvida, é preciso afirmar que as igrejas
receberam dos Apóstolos; os Apóstolos receberam de Cristo, e Cristo recebeu de
Deus" (De Praescriptione Haereticorum 21, 4). Os antigos davam grande
apreço às listas de Bispos que houvessem ocupado uma sede outrora fundada ou
governada por um Apóstolo. S. Ireneu de Lião (+202) é o autor de um desses catálogos:
"Depois de ter assim fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados
Apóstolos transmitiram a Lino o cargo do episcopado... Anacleto lhe sucede.
Depois, em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, é a Clemente que cabe o
episcopado... A Clemente sucedem Evaristo, Alexandre; em seguida, em sexto
lugar a partir dos Apóstolos, é instituído Sixto, depois Telésforo, também
glorioso por seu martírio; depois Higino, Pio, Aniceto, Sotero, sucessor de
Aniceto; e, agora, Eleutério detém o episcopado em décimo segundo lugar a
partir dos Apóstolos" (Contra as Heresias III,2,1s).
Com outras palavras:
para os antigos, a Igreja é uma comunidade que teve início com os Apóstolos,
mas está destinada a se prolongar até o fim dos tempos, de modo que Ela não é
senão o desabrochamento do cerne dos Apóstolos. Vejam-se as palavras de
Tertuliano (+220 aproximadamente): "Foi primeiramente na Judéia que eles
(os Apóstolos escolhidos e enviados por Jesus Cristo) implantaram a fé em Jesus
Cristo e estabeleceram comunidades. Depois partiram pelo mundo afora e
anunciaram às nações a mesma doutrina e a mesma fé. Em cada cidade fundaram
Igrejas, às quais, desde aquele momento, as outras Igrejas emprestam a estaca
da fé e a semente da doutrina; aliás, diariamente emprestam-nas, para que se
tornem elas mesmas Igrejas. A este título mesmo são consideradas comunidades
apostólicas, na medida em que são filhas das Igrejas apostólicas. Cada coisa é
necessariamente definida pela sua origem. Eis por que tais comunidades, por
mais numerosas e densas que sejam, não são senão a primitiva Igreja apostólica,
da qual todas procedem... Assim faz-se uma única tradição de um mesmo
Mistério" (De Praescriptione Haereticorum 2, 4-7.9).
A necessidade de
distinguir das correntes cismáticas a verdadeira Igreja de Cristo provocou a
acentuação e a utilização mais e mais frequente do predicado da apostolicidade:
a Igreja verdadeira vem de Cristo mediante os Apóstolos, ao passo que as
correntes heréticas e as seitas não podem reivindicar para si o título de apostólicas.
A partir do século XII começaram a aparecer pequenos tratados sobre a Igreja
Apostólica frente às seitas dissidentes. Aliás, foram as heresias que
provocaram a publicação de tratados explícitos sobre a Igreja.
No século XVI a
apologética católica, frente à reforma protestante, explanou largamente a
origem apostólica da Igreja Católica. Os teólogos puseram em evidência que
aqueles que se afastam da Igreja fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos, é
que perdem o direito de constituir a Igreja Apostólica. Os reformados têm um
fundador humano para cada uma de suas denominações, que pretende recomeçar a
história do Cristianismo séculos após a geração dos Apóstolos, portanto sem o
clássico caráter de apostolicidade.
Quanto às
"alterações" na Igreja, não são mais do que o desabrochar da semente
lançada por Cristo. A árvore plenamente desenvolvida é da mesma natureza que a
própria semente, e vice-versa. Tal desabrochamento - lógico e necessário - foi
acompanhado pelo Espírito Santo prometido por Jesus à Igreja (cf. Jo 14, 26;
16, 13-15) para que conserve e transmita incólume o depósito da fé. Caso o
Senhor não tivesse providenciado essa garantia de fidelidade e autenticidade
através dos séculos, teria sido vão o seu sacrifício na Cruz. É, pois, necessário
dizer que na Igreja Apostólica (fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos) se
mantém viva e pura a mensagem apregoada pelo Divino Mestre.
Continua............................................