Você é católico? Então para as
novelas você é: mentiroso(a); fofoqueiro(a), que vive a vigiar a vida das
pessoas; hipócrita; usa de desculpas de que vai a Aparecida ou à missa para
escapadas com amantes; reza somente nos momentos de perigo ou precisão; ora
pedindo mal para outras pessoas e que Deus livre só a sua cara; suborna
sacerdotes; é preconceituoso(a) contra tudo e todos; faz caridade apenas para
aparecer e tirar vantagens pessoais; desvia dinheiro de entidades
assistenciais; tem imagem em todo canto da casa; usa de quermesses para
disputas pessoais e aparecer; puxa saco de padre com agrados para obter algum
favor; quando reza é só diante de imagens com velas por toda a casa; é
supersticioso(a) …e por aí vai.
Nelas jamais se vê uma pessoa
católica consciente, generosa e desinteressada, solidária, que conhece sua fé e
não seja supersticiosa, que seja engajada na comunidade e faça da luta pela
cidadania um aspecto de sua fé; que tenha seus momentos de reflexão-oração e
leitura da Bíblia diariamente, bem como relação adulta e desinteressada com
padres; que seja alguém que estude e conheça sua fé. Enfim, para as novelas, os
fiéis católicos são um misto de hipócritas e debilóides, infantis do ponto de
vista intelectual, pessoal, psíquico, espiritual e beiram a mais grassa
idiotia. Interessante: quase sempre personagens de outros credos são retratados
com muito respeito.
Para leigos católicos que andam
pelo mundão de meu Deus, e são centenas, talvez milhares, dando cursos,
encontros, retiros, estudando com o povo na periferia ou no sertão, ensinando
de Levinas a Käseman, de Agostinho a Rahner, de antropologia à ética, de bíblia
à espiritualidade, esta realidade unilateral das novelas soa estranho e beira o
desrespeito. Cada vez mais se vê interesse e dedicação do católico comum a
temas dos mais variados, numa busca para crescer em fé, conhecimento, caridade
e cidadania. Isto em centenas de cursos de teologia para leigos, de cursos
bíblicos e espiritualidade em dioceses e paróquias, com milhares, talvez
dezenas de milhares de pessoas que durante anos estudam, discutem, oram e
crescem como seres humanos e cristãos. Ou em círculos bíblicos, trabalhos
sociais de todo tipo, desde apoio a recuperação de drogados e moradores de rua,
ou a asilos e creches, onde jovens, adultos e velhos compartem a mais
desinteressada solidariedade, sem esquecer dos grupos que nas comunidades lutam
por melhorias, conscientização e cidadania. Ou as dezenas, centenas de leigos
que estudam graduação e pós em teologia, ou ciências da religião em faculdades,
e multiplicam este conhecimento nas comunidades.
Católicos são imperfeitos,
pecadores, tem defeitos. Como quaisquer outros grupos. Católicos têm problemas
de caráter, fé pequena, conhecimento superficial de sua fé. Como outros.
Católicos pedem sempre ao Senhor: “eu creio, mas aumentai a minha fé”. Na
liturgia, iniciam solicitando perdão por imperfeições, pecados. Mas será que
não há um único, um só, que seja sinceramente generoso e caridoso, que seja
verdadeiro na sua fé, que seja um cidadão honesto, que tenha maturidade
intelectual, psíquica, espiritual e moral? Nas telenovelas não há. E creio que
não haverá.
Resta saber como cada leigo
católico recebe esta imagem, a ela reage. Somos mesmo assim? Depois de
responder a esta pergunta surgem outras: se sim, por que somos assim? Se não,
por não somos assim, e como reagimos a esta imagem de novela? Ignoramos, e
aceitamos passivamente como as novelas nos retratam? Até aqui, ao menos
publicamente, nunca vi nenhuma reação a esta unilateralidade extremamente
negativa do retrato do leigo católico.
Fica a sugestão para leigos e
grupos: que tal discutir, refletir, sobre a imagem como as novelas retratam o
leigo, o fiel católico? Que tal colocar as perguntas acima em discussão na sua
comunidade, grupo de oração, círculo bíblico, pastoral, curso de teologia,
grupo de formação ou de espiritualidade? Sugiro também, caso seu grupo conclua
se somos ou não conforme a imagem retratada, acrescentar a pergunta: se somos
como nos retratam, o que é preciso fazer para que deixemos de ser como nos
retratam ? Se não somos como nos retratam, o que fazer diante da novela que nos
denigre?
Por Marco Antonio Tourinho*