POR OLAVO DE CARVALHO
A inversão, mecanismo básico do modus
pensandi revolucionário, é acima de tudo um sintoma histérico.
Vocês já notaram que, de uns anos
para cá, a simples opinião contrária ao casamento gay, ou à legalização do
aborto, passou a ser condenada sob o rótulo de "extremismo", como se
casamentos homossexuais ou abortos por encomenda não fossem novidades
chocantes, revolucionárias, mas sim práticas consensuais milenares, firmemente
ancoradas na História, na natureza humana e no senso comum, às quais realmente
só um louco extremista poderia se opor?
Já notaram que o exibicionismo
sexual em praça pública, as ofensas brutais à fé religiosa, a invasão acintosa
dos templos, passaram a ser aceitos como meios normais de protesto democrático
por aquela mesma mídia e por aquelas mesmas autoridades constituídas que,
diante da mais pacífica e serena citação da Bíblia, logo alertam contra o abuso
"fundamentalista" da liberdade de opinião?
Já notaram que o simples ato de
rezar em público é tido como manifestação de "intolerância", e que,
inversamente, a proibição de rezar é celebrada como expressão puríssima da
"liberdade religiosa"? (Se não notaram, vejam em http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2012/08/15/brasil-e-ouro-em-intolerancia/.)
Já notaram que, após terem dado
ao termo "fundamentalista" uma acepção sinistra por sua associação
com o terrorismo islâmico, os meios de comunicação mais respeitáveis e
elegantes passaram a usá-lo contra pastores e crentes, católicos e evangélicos,
como se os cristãos fossem os autores e não as vítimas inermes da violência
terrorista no mundo?
O que certamente não notaram é
que a transição fácil dos epítetos do gênero "extremista" e
"fundamentalista" para o de "terrorista" já ultrapassou até
mesmo a fase das mutações semânticas para se tornar um instrumento real,
prático, de intimidação estatal.
Não o notaram porque nunca foi
noticiado no Brasil que, nos EUA, qualquer cristão que se oponha ao aborto ou
contribua para campanhas de defesa de seus correligionários perseguidos é tido
pelo Homeland Security, ao menos em teoria, como alvo preferencial para
averiguações de "terrorismo" (é só ver http://touchstonemag.com/merecomments/2012/07/big-sibling-janet-napolitano-may-be-looking-for-you/),
embora o número de ações terroristas cometidos até agora por esse tipo de
pessoas seja, rigorosamente, zero.
Em contrapartida, qualquer
sugestão de que as investigações deveriam tomar como foco principal os
muçulmanos ou os esquerdistas – autores da maioria absoluta dos atentados no
território americano – é condenada pelo governo e pela mídia como "hate
speech".
Nenhum membro do Family Research
Council tinha jamais atirado em ninguém, nem esmurrado, nem sequer xingado quem
quer que fosse, quando a ONG esquerdista South Poverty Law Center colocou
aquela organização conservadora na sua "Hate List". Quando um
fanático gayzista entrou lá gritando slogans anticristãos e dando tiros em todo
mundo, nem um só órgão de mídia chamou isso de "crime de ódio".
Em todos esses casos, e numa
infinidade de outros, a estratégia é sempre a mesma: quebrar as cadeias normais
de associação de ideias, inverter o senso das proporções, forçar a população a
negar aquilo que seus olhos veem e a enxergar, em vez disso, aquilo que a elite
iluminada manda enxergar.
Não, não se trata de persuasão.
As crenças assim propagadas permanecem superficiais, saindo da boca para fora
enquanto as impressões que as negam continuam entrando pelos olhos e ouvidos. O
que se busca é o contrário da persuasão genuína: é instilar no público um
estado de insegurança histérica, em que a contradição entre o que se percebe e
o que se fala só pode ser aplacada mediante o expediente de falar cada vez mais
alto, de gritar aquilo que, no fundo, não se crê nem se pode crer. É um efeito
calculado, uma obra de tecnologia psicológica.
Algum militante gayzista pode
sinceramente crer que, num país com cinquenta mil homicídios por ano, cento e
poucos assassinatos de homossexuais provem a existência de uma epidemia de ódio
anti-gay? É claro que não.
Justamente porque não pode
crê-lo, tem de gritá-lo. Gritá-lo para não se dar conta da farsa existencial em
que apostou sua vida, e da qual depende para conservar seus amigos, seu bem
protegido lugar na militância, sua falsa identidade de perseguido e
discriminado numa sociedade que não ousa dizer contra ele uma só palavra.
O militante ideal desses
movimentos não é o crente sincero, mas o fingidor histérico. O primeiro
consente em mentir em favor de suas crenças, mas conserva alguma capacidade de
julgamento objetivo e pode, em situações de crise, transformar-se num perigoso
dissidente interno. O histérico, em vez disso, não tem limites na sua compulsão
de tudo falsificar. O militante sincero usa da mentira como um instrumento
tático; para o histérico, ela é uma necessidade incontornável, uma tábua de
salvação psicológica.
A inversão, mecanismo básico do modus
pensandi revolucionário, é acima de tudo um sintoma histérico. É por isso
que há décadas os movimentos revolucionários já desistiram da persuasão
racional, perderam todo escrúpulo de honorabilidade intelectual e não se vexam
de agitar aos quatro ventos bandeiras ostensivamente, propositadamente absurdas
e autocontraditórias.
Eles não precisam de
"verdadeiros crentes", cuja integridade causa problemas. Precisam de
massas de histéricos, cheios da "passionate intensity" de que falava
W. B. Yeats, prontos a encenar sofrimentos que não têm, a lutar fanaticamente
por aquilo em que não creem, precisamente porque não creem e porque só a
teatralização histérica mantém vivos os seus laços de solidariedade militante
com milhares de outros histéricos.
Publicado no Diário do Comércio.