Luiz Carlos Lodi
Certa vez um navio navegava tranquilamente
quando foi surpreendido pelo ataque de corsários. Inutilmente o capitão tentou
opor resistência. Os piratas, armados e experimentados no saque, invadiram a
embarcação e roubaram tudo que lhes parecia valioso ou útil. Por fim, antes de
partir, resolveram deixar no navio uma carga "inútil", um menino que
haviam capturado na última pilhagem na esperança frustrada de obterem algum
dinheiro como preço de resgate. Atiraram violentamente a criança no convés e
saíram rindo zombeteiramente.
A decisão surpreendeu os
marinheiros, que argumentaram ser a criança inocente e necessitada de apoio. O
capitão replicou, porém, que a simples presença da criança lhe era molesta, uma
vez que havia entrado sem permissão e como fruto de uma violência. Além disso,
acrescentou, como dono do navio ele tinha o direito de dispor dos passageiros e
da tripulação. Conservar ou não o menino era uma decisão que cabia
exclusivamente a ele. Os súditos arguiram que o menino não era uma parte do
navio sobre o qual o capitão tinha poder, mas um ser humano digno de respeito.
Além disso, acrescentaram, seria demais levar a criança até o próximo porto e
deixá-la em terra firme sob o cuidado de alguma família? O comandante, no
entanto, foi inflexível em sua decisão. Como os tripulantes hesitassem em
cumprir sua ordem, ele próprio, irado, agarrou a criança e atirou-a ao mar. No
meio das ondas e sem saber nadar, ela logo foi tragada pelas águas e afogou-se.
Espero que não apenas os
marinheiros, mas também o leitor reprove a atitude do capitão, que quis
descarregar sobre o menino a cólera contra os corsários. Pois esta atitude é
defendida pelos que apoiam o direito de a mulher abortar quando a gravidez
resulta de um estupro. A argumentação é análoga: ela é dona do seu corpo e pode
dispor da vida ou da morte da criança. A simples presença da criança, fruto de
uma violência, causa-lhe repulsa. E ela não é obrigada a carregar um filho que
foi gerado contra a sua vontade. A mulher tem, portanto, o direito de livrar-se
dele antes de dá-lo à luz. A "solução" para a violência sofrida seria
uma nova violência, maior que a primeira, e praticada contra alguém
absolutamente inocente, que apenas desejaria o direito de nascer e pôr os pés
em terra firme.