As circunstâncias podiam não
aconselhar a viagem do Papa ao Líbano. Por um lado, o conflito sangrento – 27.000
mortos - na Síria, com o risco de reabertura de tensões no próprio Líbano, já
com combates em Trípoli. Por outro, a violência dos radicais no mundo islâmico,
indignados com um vídeo de um extremista copta americano -Inocência dos
Muçulmanos -, ridicularizando Maomé.
Mas a Bento XVI, que tem o
sentido de missão e do dever, não faltou coragem, aproveitando precisamente o
momento tão delicado da região, para levar aí a mensagem da paz e encorajar os
cristãos a não abandonar o Médio Oriente, onde o seu número tem caído constantemente
ao longo do último século, podendo o cristianismo desaparecer. Como disse ao Público o
antigo arcebispo católico de Argel H. Teissier - ele sabe por experiência de
que é que está a falar -, "é nas situações de tensão que a Igreja deve
estar presente, mesmo que tenha de assumir riscos para tentar anunciar a sua
mensagem de paz, de respeito recíproco."
E a visita foi um êxito. Muhammad
Sammak, assessor político do Grande Mufti do Líbano e secretário-geral do
Comité Libanês para o diálogo islâmico-cristão, declarou: "A visita de
Bento XVI demonstrou ao mundo que o povo libanês, cristãos e muçulmanos, estão
unidos enquanto os partidos políticos e as facções se dividem e criam conflito.
A esperança é que os políticos do Líbano também aprendam algo com o espectáculo
de unidade que se viu nestes dias da visita papal." De facto, juntaram-se
cristãos e muçulmanos, incluindo mulheres com chador e jovens do
Hezbollah, para a recepção papal, no único país islâmico (35% de cristãos) onde
o Presidente é um cristão (num original sistema de governo, o Presidente da
República deve ser cristão maronita, o primeiro-ministro, muçulmano sunita e o
presidente do Parlamento, muçulmano xiita).
Durante a visita, Bento XVI
assinou oficialmente a exortação Ecclesia in Medio Oriente (A Igreja
no Médio Oriente), um documento papal, na sequência do Sínodo dos Bispos sobre
o Médio Oriente, realizado há dois anos em Roma. Nele, reconhecendo a situação
actual das Igrejas como "um grito cheio de angústia" e "de
desespero de tantos que se encontram em situações humanas e materiais difíceis,
que vivem fortes tensões com medo e inquietação e que querem seguir a Cristo,
que dá sentido à sua existência, apesar de muitas e muitas vezes se verem
impedidos de fazê-lo", apela aos 15 milhões de cristãos para que
permaneçam. Foi nesse Sínodo que M. Sammak, convidado especial, declarou que a
diminuição da presença dos cristãos "é uma preocupação tanto cristã como
islâmica, não só para os muçulmanos do Oriente, mas para todos os muçulmanos do
mundo." Nele, os Bispos rejeitaram o recurso à Bíblia para justificar as
"injustiças" e advogaram um Estado para os Palestinianos, no quadro
de "dois Povos, dois Estados". Dizia o cardeal Carlo Martini:
"Quando houver paz em Jerusalém, haverá paz em todo o mundo."
O Papa declarou que vinha como
"amigo de Deus e dos homens" e, "simbolicamente", visitava
todos os países da região. E falou sobre a primavera árabe, o fundamentalismo,
a Síria.
Exortou ao fim da entrega de
armas à Síria: "As importações de armas devem acabar de uma vez por todas.
Sem essas importações, a guerra não poderia continuar." Viu na primavera
árabe "um desejo de mais democracia, mais liberdade, mais cooperação e uma
renovada identidade árabe. Este grito da liberdade, que vem de uma juventude
mais bem formada cultural e profissionalmente, que quer mais participação na
vida política e social, é um progresso, algo muito positivo". Mas não se
deve esquecer que a liberdade "só pode crescer na solidariedade, no viver
juntos com determinadas regras". A liberdade deve "corresponder a um
diálogo maior, não ao domínio de uns sobre os outros". Quanto à religião,
insistiu que tem de ser a favor da tolerância e da paz, contra a violência.
Esta, como o fundamentalismo, é uma "falsificação da religião".
"O verdadeiro crente não mata." Esta região está ligada às três
grandes religiões monoteístas. Que seja, pois, o espaço do grande diálogo entre
as três: um "triálogo"!
Por decisão pessoal, o
autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Fonte: http://www.dn.pt