Dom Henrique
O limbo nunca fez
parte da fé da Igreja; trata-se somente de um teologoúmenon, isto é, de
uma opinião teológica, defendida no passado por vários teólogos católicos, mas
atualmente abandonada por quase todos.
Mas, o que seria
esse “limbo”? Seria um estado de “felicidade natural” no qual os mortos se
encontrariam. Isto é, as crianças mortas sem o batismo ou os homens justos que,
sem culpa, não conheceram a Cristo, não poderiam estar nos céus, pois não
teriam recebido o batismo que nos purifica da culpa original e também não
estariam no inferno, já que não tiveram culpa de não serem cristãos.
Observe-seque os teólogos que defendiam a idéia do limbo tinham uma intenção
reta: deixar claro que, sem Cristo, é impossível ao ser humano chegar à
plenitude da comunhão com Deus. Isto é verdade; mas não é preciso recorrer à
idéia do limbo, que não tem sentido. Por quê? Vejamos:
(1) A Escritura nem
de longe acena para a possibilidade da existência do limbo. Também a grande
Tradição da Igreja não contempla esta idéia.
(2) É verdade que
todos nascemos solidários no pecado original, isto é, toda a humanidade
encontra-se ferida e quebrada, numa solidariedade no fechamento para
Deus: “Por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a
morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram…” (Rm
5,12). Isto faz São Paulo exclamar com pesar e realismo: “Todos pecaram e
estão privados da glória de Deus…” (Rm 3,23): nascemos todos marcados pelo
fechamento para Deus, pela incapacidade de agradá-lo realmente! O Apóstolo
também aponta o único meio para sair dessa situação, o único meio de voltar à
comunhão com Deus, à justiça de Deus: “… e são justificados gratuitamente,
por sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus”(Rm 3,24). Então,
para a humanidade, sem exceção, não há salvação fora de Cristo! Nisto, os
que defendiam o limbo estavam corretíssimos!
Mas, atenção:
se todos já nascemos marcados pelo pecado de nossos primeiros pais,
simbolizados em Adão (= pecado original), todos já nascemos também –
e muito mais! – marcados pela graça da salvação em Cristo Jesus: “Não
acontece com o dom o mesmo que com a falta. Se pela falta de um só, todos
morreram,com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um
só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre todos”(Rm 5,15). Que coisa
impressionante: nascemos marcados pelo pecado e nascemos marcados pela graça!
Nascemos herdeiros de uma carga negativa enorme, de uma dívida impagável e, ao
mesmo tempo, nascemos já com um crédito infinito: Cristo nos amou e se entregou
por nós (cf. Gl 2,20). Antes que nós o amássemos, ele nos amou primeiro! Então,
aqueles que, sem culpa própria, morreram sem o batismo, é verdade que
tinham o pecado herdado da humanidade, mas também eram marcados pela graça
daquele que morreu por todos (cf. 2Cor 5,14s): “Não acontece com o dom o
mesmo que com a falta. Se pela falta de um só todos morreram, com quanto
maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus
Cristo, se derramaram sobre todos”(Rm 5,15). Então, todos nós, marcados pela
morte, somos, mais ainda, marcado pela vida, pois “onde avultou o pecado,
a graça superabundou” (Rm 5,20). Assim, aqueles que, sem culpa, não
receberam o batismo e viveram retamente, podem, em Cristo, receber a plenitude
da salvação.
(3) Você usou uma
expressão interessante: “felicidade natural”. As criancinhas mortas sem batismo
e os justos não batizados sem culpa própria teriam não o céu (= felicidade
sobrenatural, a vida com Deus, a vida plena do próprio Deus), mas uma
felicidade somente natural. Ora, não existe para a humanidade outro destino,
outra felicidade a não ser em Cristo Jesus! Não existe uma felicidade natural e
outra sobrenatural: para todo ser humano, não chegar à glória de Cristo é
frustrar-se, é o inferno! E por que isso? Porque fomos todos criados
através de Cristo e para Cristo: “Ele é a Imagem do Deus invisível, o
Primogênito de toda criatura, porquenele foram criadas todas as coisas, nos
céus e na terra” (Cl 1,15s); “Nele (em Jesus Cristo), ele (o Pai) nos
escolheu antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
diante dele no amor. Ele (o Pai) nos predestinou para sermos seus filhos
adotivos por Jesus Cristo, conforme o beneplácito de sua vontade, para o louvor
e glória de sua graça, com a qual ele nos agraciou no Amado” (Ef 1,4-6).
Note-se bem a
importância destas afirmações: toda a humanidade foi criada para participar da
filiação de Cristo, o Filho Amado. Cristo é o destino único e irrenunciável do
ser humano, de modo que, não chegar a ele, é frustrar-se. Não há outra
felicidade para a humanidade, não há outra bênção fora de Cristo! Mesmo os
nossos primeiros pais, foram criados através de Cristo e para Cristo – basta
reler essas citações que coloquei acima! Concluindo, toda a felicidade natural
do homem tende para a felicidade sobrenatural, que é a comunhão com o Pai
através do Filho no Espírito. Não há, não pode haver, outro destino para nós!
Para concluir, você
pergunta se o limbo existiu antes da ressurreição de Cristo. Não! A expressão
correta é “sheol” ou “mansão dos mortos”, isto é, aquele estado de espera, de
não total realização da humanidade, até que Cristo, o Primogênito dentre os
mortos, arrancasse a todos dessa situação.