D. Orani João
Tempesta, O. Cist.
Enquanto as cidades vão tomando
ares de espera natalina, e no momento em que inauguramos pelas ruas de nossa
capital o “circuito dos presépios” para que recordemos o importante fato que
celebramos no Natal, uma companhia no Advento sempre se torna presente: Maria!
Além dos textos da liturgia própria deste tempo, temos também algumas
solenidades marianas marcantes.
Uma delas é a Solenidade da
Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Bem no coração do Advento, no dia 8 de
dezembro, rendemos louvores a Deus pela pureza da Virgem Maria, aurora da
salvação. «Puríssima, na verdade, devia ser a Virgem que nos daria o Salvador,
o Cordeiro sem mancha, que tira nossos pecados» (Missal Romano). Preparando-nos
para o Santo Natal, devemos reconhecer que Deus, em seu amor e liberalidade,
olhou com carinho para Maria, escolhendo-a e preparando-a para ser a mãe de seu
Filho, dispensando-lhe graças especiais. O anjo a saudou como «cheia de graça»
(Lc 1,28).
É verdade de fé, proclamada e
definida pelo bem-aventurado Pio IX, em 1854, «que a beatíssima Virgem Maria,
no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus
onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano,
foi preservada imune de toda mancha do pecado original; essa doutrina foi
revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos
os fiéis» (Bula Ineffabilis Deus).
Com efeito, Maria foi também
redimida pela graça de Cristo, como todo ser humano. Entretanto, o modo pelo
qual Maria foi redimida é todo especial, porque Deus a preservou de contrair a
mancha do pecado original desde o primeiro instante de sua concepção. Deus a
redimiu em vista dos méritos de Cristo. É o que expressa o Concílio Vaticano II
com estas palavras: «Em vista dos méritos de seu Filho foi redimida de um modo
mais sublime…» (Lumen gentium, 52).
Nossa Senhora, desde o seu
primeiro instante de vida, é toda bela («tota pulchra»), é toda voltada para
Deus! Nós, muitas vezes, clamamos com São Paulo: «Não faço o bem que quero, mas
faço o mal que não quero» (Rm 7,19). Essa dilaceração não tomou conta do
coração da Virgem porque, «já bem antes da aurora, o Senhor veio ajudá-la» (Sl
45,6). A vida de Maria foi totalmente íntegra e o seu coração pôde amar sempre
a Deus sem divisões nem distrações. Ela soube corresponder à especial graça que
lhe fora concedida, de modo que a existência da humilde mulher de Nazaré foi
sempre «sim» para Deus e, em Deus, «sim» para os outros. Ela realizou em sua
vida aquilo a que todo homem é chamado – ser para Deus e para o irmão.
A escolha de Deus tem sua razão
de ser: Maria foi preservada de todo o pecado a fim de que se apresentasse como
«a santa morada do Altíssimo» (Sl 45,5). Mas podemos dizer mais: Deus quis
iniciar uma nova história e realizar uma nova criação. Na linguagem de São
Paulo, Deus quis «recapitular tudo em Cristo» (Ef 1,10). E, assim como uma
mulher foi solidária com o primeiro Adão no início da história do pecado, o
plano divino dispôs que, no reinício da história, estivesse presente, ao lado
do novo Adão, Cristo, a nova Eva, Maria.
A Imaculada Conceição de Maria
integra, desse modo, a «recapitulação» ou o novo início da história em Cristo.
Todos nós somos chamados a fazer parte dessa nova história, história de graça e
de santidade, de misericórdia, amor e perdão, de justiça e de paz. Maria
Santíssima é inspiração e ajuda para nós. Ela é toda de Deus e, por isso, toda
dos filhos de Deus.
Nós, enquanto aqui caminhamos,
com a graça que Deus nos concede, somos chamados a lutar para vencer o pecado
em nós e inserir-nos na nova história inaugurada pelo novo Adão, que teve
sempre a seu lado a nova Eva. A graça divina quer nos retirar da velha vida e
revestir-nos da nova. Por isso exorta o Apóstolo: «Precisais renovar-vos, pela
transformação espiritual de vossa mente, e vestir-vos do homem novo, criado à
imagem de Deus, na verdadeira justiça e santidade» (Ef 4,23-24).
Que o tempo do Advento seja-nos
propício, a fim de reconhecermos as maravilhas que Deus fez em sua serva,
maravilhas que deseja fazer também em cada um de nós. Aliás, é bem isso que a
Igreja nos recorda sempre: aquilo que se diz de Maria, se diz da Igreja e
vice-versa: “ela é o tipo da Igreja na ordem da fé, da caridade e da perfeita
união com Cristo” (LG 63).
Esperando com Maria, desejo que a
celebração do Natal, na liturgia e na vida, transforme o nosso coração e renove
a nossa vida. Ao dizer sim como a mãe de Jesus, poderemos ser membros ativos da
nova criação e da nova história desejada por Deus.
Que todo o nosso povo, vivenciado
o tempo do Advento possa, ao modo de Maria, meditar os acontecimentos e as
graças de Deus, conservando tudo em seus corações (cfr. Lc 2, 41-51).
E que ao vermos o espírito de
Natal ocorra em nós as preocupações com os mais pobres, com os sinais em nossas
casas e, contemplando os presépios pelas ruas e praças de nossa cidade, os
corações se abram para continuamente encontrarmos a cada dia Aquele que veio a
nós por Maria, a Imaculada Conceição e Senhora de Guadalupe.
D. Orani João
Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de
São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ