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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Tradição - II

Professor Evaldo Gomes

A Palavra transmitida e chamada de Tradição é escrita aqui intencionalmente com maiúscula, para diferenciar-se das populares "tradições" (com t minúsculo), ou seja, costumes de origem desconhecida que se repetem pelos tempos afora. Tais "tradições" podem ser boas ou más, podem ser alteradas ou até desaparecer. A Tradição da Igreja, porém, originou-se de Jesus Cristo e dos apóstolos e se estendeu, conduzida pelo Espírito Santo, por todos os séculos através da pregação e da celebração dos mistérios de Cristo na Igreja. Essa Sagrada Tradição, que devemos conservar, é mais ampla que a Sagrada Escritura, e não se opõe a ela nem a contradiz, uma vez que se trata de uma mesma Tradição que se "transmite" escrita ou oralmente.
Dessa simples observação já se nota quão absurda é a objeção de que a Tradição deva ser rejeitada porque existiram e existem tradições falsas, não provindas dos apóstolos. Não negamos que existam tradições espúrias. E o tremendo esforço dos solascripturistas para nos informar essa existência de nada serve, pois não informam nenhuma novidade. Existem as falsas, mas também existem as verdadeiras tradições. E isso nos basta. A única observação viável seria como distinguimos a Tradição apostólica das falsas tradições. E a resposta seria simples: distinguimos da mesma maneira como distinguimos a autêntica Escritura da falsa. A Igreja sempre se viu diante de uma grande variedade de tradições (verdadeiras ou falsas), como também sempre se encontrou diante de vários escritos (alguns também verdadeiros ou falsos). 
Da mesma forma que a Igreja primitiva precisou descobrir quais escritos eram autênticos e quais não eram, ela também teve que reconhecer qual Tradição é verídica e qual não é. A Igreja tinha diante de si, por exemplo, tradições opostas acerca dos livros que seriam aceitos como Escritura Sagrada. Algumas tradições incluíam ou rejeitavam certos livros, mas coube à Igreja distinguir quais livros são ou não canônicos. Para decidir se tal livro era ou não Escritura Sagrada, a Igreja teve que optar por determinada tradição. Assim, para estabelecer a autenticidade de um escrito, a Igreja teve que estabelecer antes a autenticidade da tradição. 
Como se vê, se a Igreja não é assistida pelo Espírito Santo para reconhecer a verdadeira Tradição, então ela também não foi assistida para reconhecer os escritos apostólicos, pois foi pelo reconhecimento da verdadeira Tradição que a Igreja chegou até os verdadeiros escritos. Nota-se, então, que uma coisa implica outra. Logo, existe a verdadeira Tradição e a Igreja é a autêntica intérprete da legítima Tradição e da legítima Escritura. Ou, então, nada é verdadeiro.
É muito significativo o fato de a Igreja ter estabelecido o cânon mais de 300 anos depois dos apóstolos e ainda mais baseando-se na Tradição. Ironicamente, os evangélicos - que tanto rejeitam a Tradição em favor da exclusividade da Bíblia - eles mesmos usam uma Bíblia berçada na Tradição.
Rejeitar a verdadeira Tradição por causa da existência dessas tradições espúrias, levaría-nos a também rejeitarmos a Escritura por causa da existência dos escritos apócrifos. Se tais escritos não invalidam a verdadeira Escritura, por que a falsa tradição invalidaria a autêntica Tradição? Logo, essa alegação não procede. Sabemos que para reconhecer a verdadeira Tradição a Igreja seguiu o mesmo critério que adotou para definir a canonicidade dos livros da Bíblia. Dentre outros itens, dois foram os critérios básicos adotados pela Igreja primitiva para reconhecer os autênticos escritos bem como a autêntica Tradição: a apostolicidade e a universalidade. Se um livro era apostólico, ou seja, se fora transmitido pelos apóstolos como Escritura (os livros do AT, p.ex) ou se foi escrito por um dos apóstolos ou um de seus companheiros (os livros do NT, p.ex), então, era considerado canônico.