A simplicidade e a humildade serão, de fato, características
marcantes do pontificado do papa Francisco. Praticamente toda reportagem faz
questão de ressaltar esses pontos, que são, realmente, elogiáveis. No entanto,
a maior parte dos relatos da imprensa também faz questão de estabelecer um
antagonismo entre Francisco e seu antecessor, Bento XVI. Não basta saber que o
anel do novo papa é de prata, banhado a ouro; é preciso citar o de
Ratzinger, feito de ouro maciço. Elogia-se o papa que mantém a cruz peitoral de
ferro dos seus tempos de bispo, ao mesmo tempo em que se lembra que Bento XVI
usava cruzes de ouro. A impressão é de que se pretende levar o leitor a pensar
“esse, sim, é um bom papa, não é como o anterior”, como se um conclave fosse um
concurso de simpatia.
O mote começa a beirar o exagero quando cerimônias como a do
início do pontificado são elogiadas por sua “simplicidade” em contraposição às
liturgias de Bento XVI. Na verdade, a missa em quase nada foi diferente do que
teria sido se o papa anterior a tivesse celebrado. É verdade que o novo
pontífice não parece demonstrar o mesmo interesse pela liturgia que tinha Bento
XVI, mas é preciso levar em consideração que Ratzinger jamais viu nas vestes
litúrgicas um instrumento de ostentação e autopromoção. Sua visão da beleza
como elemento apologético está bem documentada em sua obra. E, simplicidade por
simplicidade, Bento sempre fez questão de usar adereços litúrgicos – cada um
deles carregado de simbologia, ou seja, não se trata de mero enfeite – já usados
por outros papas e pertencentes ao Vaticano, com custo zero.
Francisco se sente muito à vontade entre a multidão, mas é
até injusto comparar um pontífice com décadas de experiência pastoral com um
acadêmico introvertido que fez praticamente toda a sua carreira eclesiástica em
universidades e na Cúria Romana. E, mesmo assim, Bento nunca fugiu dos fiéis ou
nunca se mostrou avesso ao contato com as pessoas. O “abraço coletivo” que
ganhou dos dependentes de drogas na Fazenda Esperança, em Guaratinguetá (SP), é
um dos momentos mais tocantes de sua visita ao Brasil, em 2007.
A julgar pelas repetidas menções que faz a seu “amado
predecessor”, muito provavelmente o próprio papa Francisco rejeitaria
comparações de estilo com a intenção de diminuir Bento XVI ou fazê-lo parecer
fútil com suas cruzes douradas e sapatos vermelhos. Mas é difícil imaginar que
os elogios ao papa simples e humilde vão continuar quando ele começar a se
pronunciar sobre os tais “temas polêmicos” a respeito dos quais a imprensa
sempre espera, em vão, por mudanças. Aí se perceberá que Bento XVI e Francisco
não são tão diferentes quanto parecem.
Fonte: Gazeta do Povo – Por Marcio Antonio Campos