Padre Antônio Xavier
Comunidade Canção Nova, Terra Santa
Em todo o ano, existe somente um dia em que não se celebra a
Santa Missa: a Sexta-Feira Santa. Ao invés da Missa temos uma celebração que se
chama Funções da Sexta-feira da Paixão, que tem origem em uma tradição muito
antiga da Igreja que já ocorria nos primeiros séculos, especialmente depois da
inauguração da Basílica do Santo Sepulcro e do reencontro da Santa Cruz por
parte de Santa Helena (ano 335 d.C.).
Esta celebração é dividida em três partes: a primeira é a
leitura da Sagrada Escritura e a oração universal feita por todas as pessoas de
todos os tempos; a segunda é a adoração da Santa Cruz e a terceira é a Comunhão
Eucarística, juntas formam o memorial da Paixão e Morte de Nosso Senhor.
Memorial não é apenas relembrar ou fazer memória dos fatos, é realmente
celebrar agora, buscando fazer presente, atual, tudo aquilo que Deus realizou
em outros tempos. Mergulhamos no tempo para nos encontrarmos com a graça de
Deus no momento que operou a salvação e, ao retornarmos deste mergulho, a
trazemos em nós.
Os cristãos peregrinos dos primeiros séculos a Jerusalém nos
descrevem, através de seus diários que, em um certo momento desta celebração, a
relíquia da Santa Cruz era exposta para adoração diante do Santo Sepulcro. Os
cristãos, um a um, passavam diante dela reverenciando e beijando-a. Este
momento é chamado de Adoração à Santa Cruz, que significa adorar a Jesus que
foi pregado na cruz através do toque concreto que faziam naquele madeiro onde
Jesus foi estendido e que foi banhado com seu sangue.
Em nosso mundo de hoje, falar da Adoração à Santa Cruz pode
gerar confusão de significado, mas o que nós fazemos é venerar a Cruz e,
enquanto a veneramos, temos nosso coração e nossa mente que ultrapassa aquele
madeiro, ultrapassa o crucifixo, ultrapassa mesmo o local onde estamos, até
encontrar-se com Nosso Senhor pregado naquela cruz, dando a vida para nos
salvar. Quando beijamos a cruz, não a beijamos por si mesma, a beijamos como
quem beija o próprio rosto de Jesus, é a gratidão por tudo que Nosso Senhor
realizou através da cruz. O mesmo gesto o padre realiza no início de cada Missa
ao beijar o Altar. É um beijo que não pára ali, é beijar a face de Jesus. Por
isso, não se adora o objeto. O objeto é um símbolo, ao reverenciá-lo
mergulhamos em seu significado mais profundo, o fato que foi através da Cruz
que fomos salvos.
Nós cristãos temos a consciência que Jesus não é apenas um
personagem da história ou alguém enclausurado no passado acessível através da
história somente. "Jesus está vivo!" Era o que gritava Pedro na manhã
de Pentecostes e esse era o primeiro anúncio da Igreja. Jesus está vivo e atuante
em nosso meio, a morte não O prendeu. A alegria de sabermos que, para além da
dolorosa e pesada cruz colocada sobre os ombros de Jesus, arrastada por Ele em
Jerusalém, na qual foi crucificado, que se torna o símbolo de sua presença e do
amor de Deus, existe Vida, existe Ressurreição. Nossa vida pode se confundir
com a cruz de Jesus em muitos momentos, mas diante dela temos a certeza que não
estamos sós, que Jesus caminha conosco em nossa via sacra pessoal e, para além
da dor, existe a salvação.
Ao beijar a Santa Cruz, podemos ter a plena certeza: Jesus
não é simplesmente um mestre de como viver bem esta vida, como muitos se
propõem, mas o Deus vivo e operante em nosso meio.