O que deve ser o voto de Feliz
Natal de um padre, de uma Capela como a nossa a todos os nossos fiéis, a todos
os nossos amigos e leitores? É de praxe e de bom tom trocar votos de
felicidades nesta data do nascimento do Menino Jesus. E fazemos bem. Pois no fundo
de nossas almas paira ainda a teologal esperança que avança sem tréguas em meio
ao mar revolto deste mundo. Servirão os votos que damos e recebemos, pois de
alguma forma as pessoas precisam da paz natural para viver em sociedade.
Mas é esse lado natural o que me
incomoda. E onde está a realidade sobrenatural do Natal? Onde encontraremos,
perdidos e abandonados nos cantos das ruas, os santos de outrora, que talvez
corressem agitados, preparando tudo, organizando os mínimos detalhes de uma
festa sem fim: Et Verbum caro factum est! Pois o Verbo se encarnou e
habitou entre nós. O Verbo de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade,
recebe uma natureza como a nossa para nascer na manjedoura em Belém. E onde
estão as almas admiradas e contemplativas para fugir doshopping, largar as
bolsas de compras, os presentes dos filhos, o novo celular, e correr
desembestado por um estacionamento entupido..... Ah! Ele nasceu, eu vi a
estrela, eu vi o Menino. Hosanna in excelsis! Eu vi, eu compreendi o
que acontece. Por que não nos dizem isso? Onde estão os padres, onde estão os
bispos, onde está o sangue católico, que já não corre nas veias dos homens,
para nos dizer, para nos lembrar que o louco não sou eu que corri feito doido largando
tudo no chão; os loucos são eles, que estão lá dentro, fazendo compras e mais
compras; os doidos são eles, que, mesmo quando criticam o esvaziamento do Natal
católico, não param para meditar no Mistério dos mistérios, na candura e
inocência, na paz... na paz... Para que foi mesmo que ele nasceu? Para nos
trazer a paz...
Não foi isso o que eu vi, não foi
isso o que Ele quis me dizer quando me fez mergulhar naquele mundo de silêncio,
no meio da multidão que corria agitada atrás das compras, das promoções, da
última moda. Não foi isso o que o Príncipe da Paz me disse, quando abri seu
Livro Santo e li: "Não vim trazer a paz, mas sim a espada!" Não, ele
não veio nos trazer a paz, nesse sentido natural que os homens querem. É isso!
Era isso o que me incomodava. Às favas com essa falsa paz de que nos fala o
profeta, esse romantismo abusado que usa o Inocente, nosso Deus, para fingir
que deseja a paz a todos. Não, não é isso o que eles desejam! O que eles querem
é o paraíso na terra, é prolongar a vida até não poder mais, é liberar-se de
toda obediência à Verdade Eterna. Pergunte a um deles se querem seguir os
ensinamentos da Verdade? Qual Verdade? Eles não querem aquele que é o Caminho,
a Verdade e a Vida. Eles querem, exigem, e batem pé: nós queremos a verdade de
Pôncio Pilatos! Trata-se da verdade relativa, do liberalismo, de você seguir o
que você pensa, autônomo, achando-se adulto, responsável... sem Deus, sem
Cristo, sem a Igreja! Depois vêm me cantar musiquinhas bonitinhas na televisão
para fazer chorar de emoção numa confraternização universal. Chega disso!
Por favor, não venham me dizer
que é preciso esquecer certos acontecimentos, e deixar de lado as convicções,
pois é noite de Natal. Acho que esse argumento pode ser válido para muitas
ocasiões e para muitos natais. Mas se a causa de tantos desastres e tragédias
está justamente no esquecimento de Jesus, no abandono da Criança de Belém, como
não pensar nisso tudo? Se hoje a Argentina vive um Natal terrível e amanhã
qualquer país o poderá viver também; se hoje aviões são lançados sobre prédios
porque os loucos assassinos querem matar todos aqueles que não pensam como
eles. Se tudo isso acontece porque o Rei Pacífico não tem direito de reinar
sobre as nações, então essa paz e essa felicidade que eles desejam é de uma
hipocrisia total!
E no entanto... E no entanto há
lugar para a Paz, desde que não seja a paz dos jornais. Há lugar para cantar,
numa noite de Natal, um cântico novo ao nosso Deus, ao Menino-Deus, desde que
nossos olhos sejam olhos de filhos, puros e espirituais. Desde que nossas almas
sedentas saibam dobrar os joelhos e rezar no silêncio da noite: Venite
adoremus! vinde, adoremos a Criança, Jesus nosso Deus e Salvador, que nasceu
hoje para morrer amanhã, para nos dar seu Sangue, para nos dar sua vida. Há
lugar para desejar, ao menos para desejar, que o Rei da Paz seja o chefe das
nações, o chefe de nossa Pátria; que ela se dobre diante do seu cetro e se
deixe governar por seu Evangelho e por sua Igreja.
Então, sim, nesta hora em que nas
igrejas soam os sinos, a missa do Galo, a Santa Eucaristia: meu Senhor e meu
Deus. Que nossos corações tenham um ímpeto de amor e queiram com todas as
forças espalhar pelo mundo as luzes do nosso Bom Deus. Então, sim, mergulhados
na oração, saudemos nossos amigos e irmãos, troquemos nossos votos e orações,
pois Ele nasceu, ele nos foi dado. "Hodie, filius datus est nobis— hoje,
um Filho nos foi dado".
É por isso que desejamos a todos
um Feliz Natal e um ano-bom repleto de todas as graças de Deus.