Autor: Anwar Tapias Lakatt
(Colômbia)
Penso que o mais preocupante na
separação doutrinária existente entre católicos e protestantes se encontra na
pergunta do título: "Tudo está na Bíblia?". À esta pergunta, os
protestantes respondem que "sim", usando a mesma Bíblia usada pelos
católicos para dizer que "não". Por que há tão grande diferença numa
pergunta tão simples?
Para entender isto, o importante
é analisar o seguinte: os protestantes dizem que tudo está na Bíblia. Se fosse
assim, a Bíblia deveria dizê-lo e auto-responder questões que estão contidas
nela. Se é como dizem os católicos, que nem tudo está ali, a mesma Bíblia
deveria dizê-lo e mostrar que outra coisa existe fora dela.
ARGUMENTOS PROTESTANTES
- Só a Bíblia contém a verdade de
Deus.
- Tudo para a salvação está na
Bíblia.
Em que se baseiam para afirmar
isso? Obviamente, quando pergunto a um protestante sobre a doutrina da
"sola Scriptura" (=somente a Bíblia), ele me responde com passagens
[bíblicas] que "supostamente" sustentam [sua crença].
Antes de mais nada, quero deixar
claro que nós, católicos, CREMOS SIM na Bíblia e sabemos que ela é inspirada
por Deus, porque às vezes nos recriminam como se duvidássemos da sua
inspiração.
O hino nacional dos protestantes
para argüir a "sola Scriptura" é este:
"Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para
instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, inteiramente
preparado para toda boa obra" (2Timóteo 3,16-17; versão Valera, 1960).
Analisemos por partes essa
passagem;
A primeira parte diz: "toda
a Escritura é inspirada por Deus". É triste que um protestante diga que a
Bíblia é a Palavra de Deus baseando-se nela mesma. Se lermos o Alcorão,
[veremos que] também diz que é Palavra de Deus e, mesmo assim, um protestante
não seguirá Alá por causa disso. Nós, católicos, cremos que a Bíblia é Palavra
de Deus porque sabemos, pela História, que Jesus fundou uma Igreja visível e
que esta Igreja determinou quais livros deveriam ser considerados como Palavra
de Deus e quais não deveriam; nisto, corroboramos com o que ela (a Igreja) diz
e não como fazem os protestantes que porque a Bíblia diz então eles crêem. O
importante desta passagem é que ela aponta a autoria da Bíblia para Deus; não
diz nada que esta Palavra seja a única regra de fé e contenha tudo.
A segunda parte é: que é utíl
para várias coisas. A passagem não diz que "SOMENTE a Escritura é útil
para...", o que talvez sim nos faria pensar que nela se encontraria tudo.
Um evangélico convertido ao Catolicismo, James Akin, escrevia uma reflexão
sobre essa passagem, comparando-a a um martelo. Ele diz: "Um martelo é
útil para fixar pregos, porém, não quer dizer que todos os pregos devam ser
fixados por martelos". Com a Palavra é igual. É útil para várias coisas,
porém, não quer dizer que todas as coisas devam ser conhecidas pela Bíblia.
A Palavra é uma excelente
ferramenta dada por Deus ao homem para que O conheçamos melhor; porém, há que
se dar-lhe a sua correta interpretação. Acerca disto, cito o Cardeal John
Newman, um sacerdote que fora anglicano e se convertera ao Catolicismo nos
últimos anos do século XIX. Ele nos levava a refletir sobre toda a passagem de
Timóteo e não apenas os versículos 16 e 17. Paulo diz a Timóteo:
"Porém, persiste tu no que
tens aprendido e te convenceste, sabendo de quem aprendeste, e que desde a
infância tens conhecido as Sagradas Escrituras, as quais podem te fazer sábio
para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2Timóteo 3,14-15).
Entremos na história: Timóteo se
tornou bispo de Éfeso muito jovem. Quais Escrituras conheceu na infância? Com
certeza, apenas as que pertenciam ao Antigo Testamento, pois na época de
Timóteo não existia ainda o Novo Testamento. Portanto, sob a mentalidade protestante
de querer provar, com esta citação, que tudo se encontra na Bíblia, deveríamos
deixar de lado os Evangelhos, as Epístolas [dos Apóstolos] e o Apocalipse,
porque estes [escritos] só foram considerados parte integrante da Bíblia muito
tempo depois. Obviamente, ao ver isto, um protestante precisa sacudir a cabeça
e refletir; essa passagem não inclui a totalidade dos seus 66 livros como prova
de que são os únicos necessários como regra de fé. Desta forma, o cardeal
Newman nos fazia ver que esse texto de Timóteo não consegue assegurar que as
Escrituras sejam a única coisa necessária como regra de fé.
Outro texto usado pelos
protestantes para demonstrar a suficiência da Bíblia é:
Ademais, fez Jesus muitos outros
sinais na presença dos seus discípulos, os quais não estão escritos neste
livro. Porém, estes foram escritos para que creais que Jesus é o Cristo e para
que, crendo, tenhais vida em seu nome" (João 20,30-31).
Os protestantes dão a entender
que, ainda que Jesus tenha feito muitas [outras] coisas, somente as que se
encontram na Bíblia são necessárias. Isto é completamente falso. Para começar,
estaríamos nos referindo somente ao evangelho de João; então deixaríamos de
fora coisas como o Pai Nosso (Mateus e Lucas), a infância de Jesus (Mateus e
Lucas), a última ceia com pão e vinho (Mateus, Marcos e Lucas) etc. Este texto
não está dizendo que o que está ali nos servirá para fazer tratados
doutrinários sobre religião, mas apenas tentando mostrar para os judeus que
Jesus é o Messias. Saber isto não nos dará a salvação, pois até os demônios
sabem que Jesus é o Messias (Marcos 5).
Se analisarmos, as outras coisas
que Jesus fez e não estão na Bíblia foram ensinadas pelos Apóstolos oralmente
em suas pregações. Por acaso isto não era importante para as primeiras
comunidades cristãs? Ou quando foram escritos os livros, desprezaram o ensino
[oral] em decorrência da leitura? E se liam esses textos, não eram os apóstolos
quem os explicava?
Um outro texto, pouco usado, mas
que já ouvi:
"Pesquisais as Escrituras
porque vos parece que nelas tens a vida eterna; e são elas que dão testemunho
de mim" (João 5,39).
Como diz muito bem o texto, são
os judeus e NÃO Jesus que crêem que na Bíblia encontrarão a vida eterna. Jesus
se adapta à mentalidade do seu povo; não busca escandalizá-lo, mas fazer-lhe
ver as coisas. Jesus sabe que os judeus crêem encontrar a vida eterna no Antigo
Testamento e, por isso, os convida a verem que nessas Escrituras se dá
testemunho de que Ele é o Messias.
Novamente, se formos literais
como os protestantes, deixaríamos de lado o Novo Testamento. E, assim, qualquer
citação que queiram buscar para justificar Lutero será um testemunho contra
eles mesmos, pois nunca se referirá à Bíblia por inteiro.
A Escritura usa em muitos trechos
a palavra "Evangelho"; nós a entendemos como se se referisse a um dos
quatro existentes na Bíblia; porém, na verdade, se refere à TODA a mensagem de
Jesus que era pregada pelos Apóstolos. Paulo nos ilustra isso muito bem em sua
carta aos Gálatas:
"Vos recordo, irmãos, que o
Evangelho com que vos evangelizei não é doutrina de homens" (Gálatas
1,11).
O Evangelho (usado no singular) a
que Paulo se refere não é outro senão a mensagem que recebeu do Senhor.
Ademais, Paulo nos confirma que suas cartas não contêm as verdades únicas;
claramente diz que já os havia evangelizado antes (e deve ter sido oralmente) e
agora, na Escritura, apenas os RECORDA, não diz que os evangeliza pela carta.
Que os protestantes se detenham aqui e analisem bem isto.
Lendo um texto como Colossenses
3,16 - que fala da Palavra de Cristo - nos faz pensar que se até então não
havia Evangelhos, essa Palavra era a Tradição transmitida de geração em
geração.
Quando surgiu o filme
"Stigmata", se divulgou uma mensagem de que a Igreja possuía livros
ocultos como o Evangelho de Tomé; isto só rendeu fama ao filme, nada mais. A
verdade é que esses livros são vendidos em qualquer livraria católica e até eu
os lia quando estudava na Universidade. Porém, surge uma pergunta: Por que não
foram reconhecidos como parte do Novo Testamento? Quando no séc. II se tentou
mostrar que a revelação [pública] de Deus continuava normalmente após o
Apocalipse, surgiram livros como o evangelho de Pedro, de Tomé, o
proto-evangelho de Tiago etc. Esses livros não foram acolhidos pela Igreja.
Mas se até esse momento não havia
um Novo Testamento, como sabiam que não deveriam considerar esses livros? Onde
estava a Bíblia como regra de fé para excluí-los?
Foi a Igreja, com a autoridade
que tinha de ligar e desligar, concedida por Cristo, que determinou que esses
livros não estavam de acordo com O ENSINAMENTO dos Apóstolos, ou seja, com a
Igreja nesse momento (ela não disse que ia contra a Escritura nesse momento!).
Analise-se o por quê da Igreja ter autoridade para determinar a Bíblia.
O QUE DIZ A BÍBLIA
Visto que já sabemos que as
passagens ensinadas pelos protestantes como provas da "sola
Scriptura" estão mal interpretadas, verifiquemos agora como a Bíblia
expressa que o que está escrito não é o único [regramento].
Comecemos pela era apostólica.
Sabemos que Paulo foi o primeiro a escrever e sabemos que em sua Carta aos
Coríntios fala da Última Ceia. Como aprendeu isto se ele não estava lá [na
Ceia]? Certamente, não leu em parte alguma, pois até então não existia nenhum
livro do Novo Testamento. De alguma pregação dos apóstolos é que aprendeu este
mistério. Isto quer dizer que o ensino oral era o que berçava as primeiras
comunidades cristãs.
São João, em sua segunda Carta,
expressa:
"Tenho muitas outras coisas
para escrever-vos, porém, não quero fazê-lo por tinta e papel, pois espero ir
até vós e falar-lhes face a face, para que nosso gozo seja completo" (2João
1,12).
João não está dizendo que quer ir
explicar-lhes a carta; para ele, é mais importante o ensino que lhes possa dar
oralmente ao invés daquele lido em suas cartas. João sabe que ao ir pregar-lhes
oralmente, o gozo dos fiéis será completo. Ademais, Jesus mandou que pregasse e
não que escrevesse (Mateus 28,20); tão somente cinco apóstolos decidiram
escrever: Pedro, João, Tiago Menor, Judas e Mateus; mas TODOS os Doze pregavam
sem papel.
A razão pela qual se passou a
escrever Cartas foi a impossibilidade dos Apóstolos alcançarem todos os povos.
Perante esta situação, as cartas eram usadas para fazer-lhes algumas
recomendações e exortações, PORÉM, NUNCA SUBSTITUÍRAM o ensino oral. Se lermos
as Cartas, veremos que há muitas coisas que as comunidades deviam saber para
que os autores apenas fizessem recomendações sobre elas. Eles não estendem suas
cartas para ensinar-lhes coisas novas.
- Na Carta aos Coríntios, Paulo
não os ensina como fazer a fração do pão, mas bem os repreende pela forma com
que celebravam (1Coríntios 11).
- Na Carta aos Hebreus, não lhes
repete os primeiros ensinamentos sobre Cristo; lhes dá por conhecidos (Hebreus
6,1-3).
Se lermos a Carta aos Gálatas,
diz:
"Quisera estar convosco
agora mesmo e mudar de tom, pois estou perplexo quanto a vós" (Gálata
4,20).
Paulo está consciente de que um
povo deve estar escutando a pregação adequada para cada circunstância. Por isso
fala em "mudar de tom". Com a simples Escritura, isso não era
possível e, por essa razão, Paulo desejava ir à Galácia para fazer-lhes ver as
coisas mediante um tom de voz apropriado. Se, or exemplo, alguém deixasse um
recado a outra pessoa sobre algo, esta, quando chegasse, não saberia em que tom
foi dito se a pessoa que tomou o recado não disser-lhe pessoalmente.
Imagine-se, então, quando se tratar de levar o Evangelho de Cristo!
Fica-nos claro, assim, como a
própria Escritura não busca ser autosuficiente, mas uma ferramenta a mais de
Deus para comunicar-Se ao homem. Não que esteja abaixo da pregação apostólica,
mas sujeita a esta.
FALTA ALGO IMPORTANTE NA
BÍBLIA...
Comecemos por uma pergunta
simples:
Se tudo está na Bíblia, em que
passagem dela se diz que o Novo Testamento deve conter 27 livros e quais são
esses livros?
Nenhum protestante a encontrará.
Quem decidiu [essa matéria]? Geralmente, os protestantes se fazem de distraídos
quanto a isto. Posso dizer isso porque eu lhes tenho feito essa pergunta e a
resposta mais comum é: "O Senhor o revelou pelo Espírito Santo".
Ahhhhh! Isso foi revelado pelo
Espírito, mas quando falamos de algo que a Igreja ensina e não está na Bíblia,
e dizemos que foi revelado pelo Espírito, aí não pode ser. Um cristão não se
acomoda à árvore que oferece mais sombra.
Que dizemos nós, católicos?
Dizemos que há uma só Revelação
dada pelo Espírito Santo; e que esta Revelação está contida na Sagrada
Escritura e na Sagrada Tradição. Ambas procedem da mesma fonte, diferenciando
apenas na forma em que se manifesta.
Então, vemos que para os
católicos existe algo à parte da Bíblia: a Tradição.
A respeito da Tradição, os
protestantes têm buscado classificá-la como coisa de homens e não como
revelação de Deus. Primeiro, mostrarei as citações que eles usam para atacar a
Tradição. Antes, porém, cabe dizer que, para eles, qualquer passagem em que
apareça a palavra "tradição" já se refere ao que dizem os católicos;
mas isso é falso.
"Assim, invalidastes o
mandamento de Deus por vossa tradição" (Mateus 15,6).
Nesta passagem, Jesus condena os
fariseus porque davam mais importância a uma tradição judaica como "lavar
as mãos" do que cumprir o mandamento de Deus. Esta passagem não vai contra
a Sagrada Tradição ensinada pela Igreja, já que esta Tradição está baseada no
ensinamento de Jesus transmitido oralmente, e não em tradições judaicas. De
todo modo, analisemos algo: a palavra grega para "tradição" se traduz
como "paradosis"; é a mesma palavra usada em Tessalonicenses:
"Assim, irmãos, estai firmes
e retei a doutrina que aprendestes, seja por palavra ou por carta nossa" (2Tes.
2,15).
O interessante é que os
evangélicos tenham usado esta palavra e a tenham traduzido por
"doutrina", que possui outra palavra em grego,
"didaskaleo". É certo que aqui se poderia usar doutrina ou tradição,
mas POR QUE quando se refere aos homens colocam "tradição" e quando
se refere ao ensinamento apostólico usam "doutrina"? Ora, por que não
deixar em ambos os casos "tradição", se assim está mais de acordo com
o texto grego? Isto é o que os seguidores protestantes não sabem, como os seus
líderes jogam com a Bíblia, fazendo crer que os Testemunhas de Jeová são os
únicos que a alteram (1). Seja como for, a última citação nos faz ver que os
próprios apóstolos apoiavam qualquer das formas de ensino: oral e escrito.
Outra passagem modificada é 1Cor
11,2, onde se altera a palavra "tradições" para
"instruções", que tem outro significado em grego,
"paideia", nunca "paradosis". É triste ver um protestante
vangloriar-se da "sola Scriptura" sendo que até esta foi alterada (se
os protestantes não crêem nisto, podem conferir consultando uma tradução
interlinear espanhol-grego editada por eruditos sérios).
Outra citação usada pelos
protestantes é:
"Olhai para que ninguém vos
engane por intermédio de filosofias e vãs sutilezas, segundo as tradições dos
homens" (Colossenses 2,8).
Novamente, esta passagem é usada
apenas porque aparece a palavra "tradições". Se entendermos o motivo
da Carta aos Colossenses, poderemos ver que essa comunidade estava sendo
invadida por novas ideologias que não correspondiam com o ensino apostólico e,
por tal razão, Paulo a adverte para que não se deixe levar por isso. Essas
correntes iam contra o que ensinavam ORALMENTE os apóstolos e não contra a Escritura.
Como entender que isto não era o que a Igreja chama de "Tradição"? O
próprio São Paulo responde esta pergunta em sua Carta a Timóteo:
"O que ouviste de mim
perante muitas testemunhas, encarrega a homens fiéis, que sejam idôneos, para
ensinar também a outros" (2Timóteo 2,2).
Se lermos bem, aqui são
mencionadas quatro gerações consecutivas: 1-Paulo, 2-Timóteo, 3-Homens
escolhidos por Timóteo e 4-Homens ensinados pelos homens imediatamente
precedentes. Isto é o que a Igreja Católica chama de Sagrada Tradição: o ensino
dos Apóstolos transmitido de geração em geração sob o selo do Espírito Santo;
este ensino não é literal na Bíblia, mas se apóia nela e nunca a contradiz.
Poderiam refutar: "Como
saber se este ensino se manteve sem intromissão humana?". Partamos da
base: Jesus. Ninguém duvida de que o que ensinou Jesus aos seus apóstolos foi
diferente do que eles pregaram. Como puderam eles entender essas coisas? Muitas
vezes os apóstolos não compreendiam a mensagem de Jesus (Mateus 15,16; 16,9),
porém, chegou um momento em que eles puderam entender TUDO:
"Então se lhes abriu o
entendimento, para que compreendessem as Sagradas Escrituras" (Lucas
24,45).
A partir desse instante, os
Apóstolos entenderiam todos os mistérios contidos no Antigo Testamento e, assim
mesmo, PODERIAM DISCERNIR quais livros conteria o Novo Testamento.
Apenas eles tiveram acesso a esse
conhecimento?
NÃO. Jesus disse que lhes
enviaria o Espírito Santo:
"Porém, quando vier o
Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda verdade (...) e vos fará saber as
coisas que hão de vir" (João 16,13).
Ou seja, que o Espírito Santo
ensinaria coisas novas. Essa presença ultrapassaria a morte dos Apóstolos, por
isso, eles transmitiram seus conhecimentos a uma nova geração sob a ação do
Espírito. O livro dos Atos nos mostra como foram escolhidos os sete diáconos:
"Buscai, pois, irmãos,
dentre vós, a sete varões de bom testemunho, cheios do Espírito Santo" (Atos
6,3).
Mais adiante, se verá que este
serviço se outorgava com a imposição das mãos sobre os diáconos (Atos 6,6). Que
se obtia com isto? Que o ensino, conforme testemunhado pelo Espírito, não se
perdia, igual ao que se sucedeu a Timóteo, em 1Tim. 4,14.
Se prosseguirmos lendo os Atos,
veremos que estes diáconos possuíam a sabedoria para conhecer os mistérios do
Antigo Testamento. Por exemplo, Estevão (At. 7) e Felipe (At. 8,26-39), sendo
simples diáconos, tinham a mesma sabedoria dos Apóstolos. Isto não se pode
explicar por outra razão senão a ação do Espírito Santo para manter a unidade
da Igreja em uma só fé. Eles não leram as Escrituras como única forma para se
alcançar a vida eterna. Foi a Tradição da Igreja que os levou a professar sua
fé, fé que sempre esteve de acordo com as Escrituras desde então.
Tentar entender a Escritura sem a
Tradição faz com que se criem muitas heresias, como as de Ário. Ele pensava que
Jesus era Filho de Deus, mas apenas como forma de linguagem. Interpretando a
seu modo a passagem de Colossenses 1,15, chegou a dizer que Cristo era uma
criatura de Deus, o que ia contra o ensino da Igreja Católica sobre a Divindade
de Cristo. Esta é uma amostra de que apenas os delegados por Cristo podem
interpretar corretamente a Palavra de Deus, já que são eles os depositários da
fé. A esse respeito, diz Paulo a Timóteo:
"Guarda o mandato,
preservando-o de tudo o que possa manchá-lo ou adulterá-lo até a vinda gloriosa
de Cristo Jesus, Senhor nosso" (1Tim. 6,14).
Isso é o que tem feito o
Magistério da Igreja: preservar a mensagem de Cristo tal como Ele a pregou; por
isso, eu peço para que busquem, com fundamento, nestes dois mil anos de
história da Igreja, alguma doutrina alterada em algum ponto.
O impacto que tem na inteligência
de um protestante essa doutrina da "sola Scriptura" os leva a querer
justificar tudo ali, porém não são coerentes. Há uma pergunta que faço a eles
para analisar esse fenômeno: "Crês no Purgatório?"; "Não, claro
que não. Isso não está na Bíblia!". Perante essa resposta, volto a
perguntar-lhes: "Como não está? O que significa a palavra
'purgatório'?". Muitos se calam porque nem sequer sabem o que é realmente
o Purgatório; já não sabiam quando eram "supostamente" católicos,
muito menos agora!
Em geral, como os protestantes
têm distorcido as nossas doutrinas, acabam por não querer entendê-las. De todo
modo, embora a palavra "purgatório" não apareça na Bíblia, seu
conteúdo está ali implicitamente. Então volto a perguntar aos protestantes:
"Por que crês na Trindade se não aparece na Bíblia?". Eles me dizem:
"Claro que está. Está implícita!". Eu lhes respondo: "O Purgatório
também está implícito, mesmo que não apareça a palavra". Eles se calam e
se vão. Realmente, não entendo por que um questionamento como este não lhes faz
sacudirem a cabeça para que caia a venda colocada pela sua igreja, que
oferece-lhes uma meia-verdade, e mal-interpretada.
Seja como for, reflitamos algo.
Ainda que se tenha deixado a Sagrada Tradição imperar como regra de fé
juntamente com a Sagrada Escritura durante quinze séculos, não houve
debilitação da unidade da fé. Apenas a Martinho Lutero se lhe ocorreu, para
justificar as suas doutrinas, renunciar a Tradição da Igreja para ficar apenas
com a Bíblia; daí surgiram milhares de seitas diferentes sob a denominação
protestante: luteranos, calvinistas, pentecostais, evangélicos, testemunhas de
jeová, mórmons, adventistas, moonistas etc. (não terminaria de enumerá-las),
todas elas crendo ser as únicas donas da verdade. Se fizermos um exame da
vantagem desta doutrina inventada há seis séculos, veremos que se tornou na
pior fase do Cristianismo: uma amostra de que se trata de doutrina humana!
A Tradição, ainda que sustentada
por homens, pelos sucessores de Pedro na sé apostólica, nunca levou a erros
doutrinais. Jesus preservou a fé de Pedro, dando a entender que, com relação à
doutrina, sempre teria a verdade, embora não tenha feito o mesmo acerca do seu
comportamento humano; a prova é que negou a Jesus, deu mau exemplo quando Paulo
o advertiu, visto que seu comportamento não ia de acordo com os seus
ensinamentos. Portanto, ainda que muitos argumentem contra os papas e coisas
[más] que possam ter feito, tais atos são errôneos em seu comportamento, nunca
porém atingiram pontos doutrinários.
De toda forma, a verdade é uma:
nem tudo está na Bíblia. Deus se nos manifestou na Escritura e na Tradição, no
que se escreveu e no que se pregou.
(1) O autor do artigo faz alusão
à tradução espanhola da Bíblia de Reina-Valera, de pena e uso protestante
[NdoT].
Autor: Anwar Tapias Lakatt
(Colômbia)
Fonte: www.apologetica.org /
www.veritatis.com.br